segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Respeito à Luciana, mesmo, por José Túlio Barbosa


Zero Hora
28 de setembro de 2013 | N° 17567

ARTIGOS

Respeito à Luciana, mesmo, por José Túlio Barbosa*

Em tonitruante demonstração de acesso à imprensa, a empresa interessada em demolir as casas de expressão histórico-cultural da Rua Luciana de Abreu comete vários equívocos. Primeiramente, falta de infraestrutura viária e de saneamento não é motivo para desconsideração dos bens de valor histórico, tampouco fica resolvida pela construção de edifícios de 16 andares em bairros precisamente por isso descaracterizados.

A preservação dos bens de natureza histórica e cultural decorre exatamente da necessidade de desenvolvimento das cidades, sendo o instrumento de preservação dos testemunhos relevantes para a coletividade ao longo do tempo através de freios ao desenvolvimentismo supressor da história das comunidades.

Na recente decisão da 22a Câmara Cível, em que defendi o acolhimento da apelação do Ministério Público, foi rejeitada a juntada de documentos que recebemos dois dias antes da sessão e foi afirmado caber ao município, discricionariamente, definir a natureza de um bem como histórico-cultural ou não. Aqueles documentos – declaração do engenheiro Cláudio Aydos, filho do engenheiro construtor das casas, sobre ter sido o projeto executado no escritório de Theo Wiedersphan, com a colaboração de Franz Filsinger, e cópias de plantas, com o carimbo daquele escritório, e de outras, com a assinatura deste – são de extrema importância para o processo. E, ao contrário do que decidido, o Superior Tribunal de Justiça entende possível a juntada de documentos com tal relevância ao processo em qualquer momento. Além disso, o consultor do município listou os imóveis em discussão, mas não os incluiu no inventário, sem qualquer justificativa. Dessa forma, quando o Compahc examinou o inventário, não teve como se manifestar sobre a exclusão das casas em discussão. Assim, não ocorreu a participação popular através dos conselheiros representativos de várias entidades, como determina a legislação. Objetivamente, o Ministério Público está recorrendo da decisão judicial por entender que podiam e deviam ser juntados os documentos apresentados e que a definição da natureza de um bem como histórica ou cultural não é discricionária, devendo ser motivada e com a participação dos representantes de várias entidades comunitárias.

Além disso, a administração pública está revendo a situação dos imóveis em referência, o que mereceu adjetivação do Tribunal como legítimo, devendo se processar de acordo com a lei. Isso, obviamente, impede a demolição das casas. E o Ministério Público continua vigilante para garantir que os imóveis permaneçam em pé enquanto se travam as cabíveis discussões administrativas e judiciais.

A autoria dos projetos não é a única razão para o reconhecimento da natureza dos bens, mas Theo Wiederspahn e Franz Filsinger são os autores do projeto das casas da Luciana de Abreu. Integrantes do notável grupo de arquitetos alemães que aqui se instalaram e viveram, suas obras são testemunhos da história da própria arquitetura. Aquele, mestre do classicismo; este, expoente do objetivismo e da arquitetura modernista entre nós, tendo precisamente projetado muitos dos casarões construídos nesse bairro amputado. Assim, a autoria do projeto se soma à função de testemunho daqueles imóveis, não se podendo desconsiderar a noção de pertencimento da obra à coletividade, do que a movimentação da população dá provas inquestionáveis.

*PROCURADOR DE JUSTIÇA

Nenhum comentário: