Zero Hora
28 de setembro de 2013 | N° 17567
ARTIGOS
Respeito à Luciana, mesmo, por José Túlio Barbosa*
Em tonitruante demonstração de acesso à imprensa, a
empresa interessada em demolir as casas de expressão histórico-cultural da
Rua Luciana de Abreu comete vários equívocos. Primeiramente, falta de
infraestrutura viária e de saneamento não é motivo para desconsideração
dos bens de valor histórico, tampouco fica resolvida pela construção de
edifícios de 16 andares em bairros precisamente por isso descaracterizados.
A preservação dos bens de natureza histórica e cultural
decorre exatamente da necessidade de desenvolvimento das cidades, sendo o
instrumento de preservação dos testemunhos relevantes para a coletividade ao
longo do tempo através de freios ao desenvolvimentismo supressor da história
das comunidades.
Na recente decisão da 22a Câmara Cível, em que defendi o
acolhimento da apelação do Ministério Público, foi rejeitada a juntada de
documentos que recebemos dois dias antes da sessão e foi afirmado caber ao
município, discricionariamente, definir a natureza de um bem como histórico-cultural
ou não. Aqueles documentos – declaração do engenheiro Cláudio Aydos, filho
do engenheiro construtor das casas, sobre ter sido o projeto executado no
escritório de Theo Wiedersphan, com a colaboração de Franz Filsinger, e
cópias de plantas, com o carimbo daquele escritório, e de outras, com a
assinatura deste – são de extrema importância para o processo. E, ao
contrário do que decidido, o Superior Tribunal de Justiça entende possível a
juntada de documentos com tal relevância ao processo em qualquer momento.
Além disso, o consultor do município listou os imóveis em discussão, mas
não os incluiu no inventário, sem qualquer justificativa. Dessa forma, quando
o Compahc examinou o inventário, não teve como se manifestar sobre a
exclusão das casas em discussão. Assim, não ocorreu a participação popular
através dos conselheiros representativos de várias entidades, como determina
a legislação. Objetivamente, o Ministério Público está recorrendo da
decisão judicial por entender que podiam e deviam ser juntados os documentos
apresentados e que a definição da natureza de um bem como histórica ou
cultural não é discricionária, devendo ser motivada e com a participação
dos representantes de várias entidades comunitárias.
Além disso, a administração pública está revendo a
situação dos imóveis em referência, o que mereceu adjetivação do Tribunal
como legítimo, devendo se processar de acordo com a lei. Isso, obviamente,
impede a demolição das casas. E o Ministério Público continua vigilante
para garantir que os imóveis permaneçam em pé enquanto se travam as
cabíveis discussões administrativas e judiciais.
A autoria dos projetos não é a única razão para o
reconhecimento da natureza dos bens, mas Theo Wiederspahn e Franz Filsinger
são os autores do projeto das casas da Luciana de Abreu. Integrantes do
notável grupo de arquitetos alemães que aqui se instalaram e viveram, suas
obras são testemunhos da história da própria arquitetura. Aquele, mestre do
classicismo; este, expoente do objetivismo e da arquitetura modernista entre
nós, tendo precisamente projetado muitos dos casarões construídos nesse
bairro amputado. Assim, a autoria do projeto se soma à função de testemunho
daqueles imóveis, não se podendo desconsiderar a noção de pertencimento da
obra à coletividade, do que a movimentação da população dá provas
inquestionáveis.
*PROCURADOR DE JUSTIÇA
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