terça-feira, 22 de outubro de 2013

Lideranças do movimento Moinhos Vive relembram luta dos bairros de Porto Alegre contra especulação imobiliária

via Sul21.


Samir Oliveira
Recentemente, a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul autorizando a demolição de seis casarões na Rua Luciana de Abreu, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, trouxe novamente à tona o debate em torno da preservação do patrimônio histórico da cidade. Dois protestos foram realizados pela comunidade e o Ministério Público solicitou a paralisação do processo judicial por 30 dias para que se tentasse chegar a um acordo com a construtora Goldsztein, que deseja erguer um prédio de 16 andares no local onde estão as casas geminadas da década de 1930.
Entretanto, o movimento que busca preservar as casas da Luciana de Abreu surgiu em 2002, quando a construtora manifestou sua intenção de realizar a obra. Nesta entrevista, o Sul21 ouve duas lideranças do movimento Moinhos Vive e relembra a luta pela preservação dos bairros diante da investida da especulação imobiliária em Porto Alegre no início dos anos 2000.
A historiadora Alda Py Velloso e o arquiteto Carlos de Azevedo Moura entendem que o Plano Diretor da cidade precisa ser rediscutido com as associações dos bairros e lamentam a influência das construtoras na elaboração deste conjunto de normas. Eles também asseguram que não existe possibilidade de a comunidade do Moinhos de Vento aceitar um acordo em que a Goldsztein preserve três das seis casas na Rua Luciana de Abreu.

“Esse conjunto forma uma mancha verde de vegetação e rompe completamente com o padrão monótono dos edifícios da rua, que são altos e tiram o sol dos jardins”

Sul 21 – Como começou o movimento em defesa dos casarões da Luciana de Abreu?
Alda Py Velloso – Com a mudança do Plano Diretor entre 1999 e 2000, começou a haver uma série de demolições e
m toda a cidade. Nós ouvíamos falar de intervenções na Independência, no Petrópolis, no Bela Vista, mas não sabíamos direito do que se tratava. Naquela época, eu era completamente leiga neste tema. Então ficamos sabendo a demolição dos seis casarões da Luciana de Abreu. Neste momento, resolvemos criar um grupo juntamente com os usuários do Parcão. Formamos um conselho de bairro chamado “Conselho dos Usuários e Moradores do Bairro Moinhos de Vento”. O primeiro ato deste conselho foi criar o “Moinhos Vive”, em agosto de 2002. No início, nos reuníamos em uma das casas da Luciana de Abreu, mas o movimento cresceu tanto que tivemos que nos mudar e hoje nos reunimos uma vez por semana no Clube Leopoldina Juvenil.


Carlos de Azevedo Moura – Fui atraído pelo movimento em 2002. Fizemos faixas e passeatas, mas não era fácil fazer com que as pessoas participassem. Nos diziam: “todo esse barulho por causa de seis casas velhas?”. Começamos todo esse trabalho tendo em vista as casas. Na medida em que fomos crescendo, aumentou também a visão sobre o que queríamos preservar. Não são apenas as casas. Percebemos que elas têm muito mais importância como um conjunto do que isoladamente, pela própria disposição em curva e pelo que representam em termos de referencial. Esse conjunto forma uma mancha verde de vegetação e rompe completamente com o padrão monótono dos edifícios da rua, que são altos e tiram o sol dos jardins.
Sul21 – Quais foram as primeiras ações que vocês tomaram?
Alda – Criamos um abaixo-assinado e coletamos 1,5 mil assinaturas contra a demolição das casas. A partir daí, ingressamos com uma representação no Ministério Público. Eles aceitaram nossa demanda e foi assim que começou a tramitar está ação na Justiça, que já dura 11 anos. Essa questão nunca esteve resolvida e só agora voltou a ter novas decisões na Justiça. As pessoas acreditavam que as casas já estavam preservadas, porque ainda não tinham sido demolidas. Agora, com as movimentações do processo na Justiça, se deram conta de que nada está resolvido. Hoje, a população é muito mais consciente sobre isto do que quando começamos o movimento.
Carlos – Vieram com uma questão a respeito do pedigree das casas. Elas são feitas, sim, pelo Theo Wiedersphan. Temos toda a documentação. Ele fez essas casas junto com outro arquiteto que foi tão importante quanto ele para a cidade. Foi o introdutor do Modernismo em Porto Alegre. Tentam descaracterizar a autoria das casas e diminuir sua importância. Se conseguirem demoli-las, será um crime. Vão construir um edifício de 16 andares, que retira o sol e a areação natural da rua, descaracterizando completamente a região. A tendência é que a Luciana de Abreu fique completamente descaracterizada.
Sul21 – Quais eram os usos que as casas tinham antigamente?
Alda – Cinco eram lojas e uma era um restaurante. Todas estavam alugadas. Quando os locatários se deram conta, as casas tinham sido vendidas – sendo que eles recém haviam reformado elas. Então contrataram advogados para tentar permanecer nas casas ou fazer algum acordo a Goldsztein. Todos acabaram fazendo acordo com a empresa e receberam indenizações para sair das casas.

“Quando ficamos sabendo que o Plano Diretor permitia todas as demolições que estavam sendo feitas, começamos a ir nas reuniões que decidiam sobre as alterações do Plano”

Sul21 – Como a luta pela preservação das casas da Luciana contribuiu, no início, para a organização de outros movimentos de bairro na cidade?
Alda – Em 2002, muitas pessoas perceberam que o que estava acontecendo no Moinhos também ocorria nos seus bairros. Muita gente de outras regiões ia nas nossas reuniões para entender o que estávamos fazendo. Então se criou o Petrópolis Vive, o Higienópolis Vive, o Menino Deus Vive… Isso acabou se multiplicando naquela época. Quando ficamos sabendo que o Plano Diretor permitia todas as demolições que estavam sendo feitas, começamos a ir nas reuniões que decidiam sobre as alterações do Plano.
Sul21 – Como foi o processo de tombamento das casas geminadas da Rua Félix da Cunha, que também já foram ameaçadas de demolição?
Carlos – São casas da mesma época, quase contemporâneas às da Luciana de Abreu. São construções do arquiteto tcheco Egon Weindorfer. Elas seriam demolidas para que a Perimetral fosse alargada, em 1988. Os proprietários, dentre eles, a minha família, começaram um trabalho de resistência. Encaminhamos o tombamento das casas e elas foram preservadas. Mas foi um processo muito difícil, tivemos que ir ao rádio e à televisão. Foi um grande prazer poder preservar essas casas. Demos um exemplo para toda a cidade.
Sul21 – Na opinião de vocês, por que as casas da Luciana de Abreu não estão incluídas na lista de imóveis a serem tombados pela prefeitura?
Alda – Junto com o Plano Diretor, existem também os planos Viário, Pluvial e de interesse cultural da cidade. No ano 2000, eram 80 áreas classificadas como de interesse cultural. O Moinhos de Vento, que é um bairro pequeno, tinha três áreas. A linha da preservação no bairro chega nas casas da Luciana de Abreu e faz um “L” para não incluí-las. Elas estavam pré-listadas, mas não entraram na lista por motivos que não sabemos. Já conversei com a arquiteta responsável e ela disse que bastava a comunidade pedir que as casas seriam incluídas. Mas até hoje não conseguimos isso.
Sul21 – No Centro Histórico, a comunidade luta contra uma lei que permite a construção de um prédio de 13 andares ao lado do Museu Júlio de Castilhos. Na Zona Norte, existem pressões para a retirada do Aeroporto Salgado Filho, o que abriria a possibilidade de construção de espigões naquela região. Como vocês avaliam a investida da especulação imobiliária na cidade hoje?
Carlos – Antes de mais nada, é preciso ter bom senso. A prefeitura está realmente lavando as mãos, mas os arquitetos da cidade deveriam pressionar também. Claro que muitos trabalham para as construtoras, que buscam aproveitar o máximo possível as áreas. O resultado volumétrico da arquitetura feita é fruto do Plano Diretor, que é muito perverso neste sentido. Posso estar criticando meus colegas, mas acho que deveria haver mais consciência sobre essas questões. Porto Alegre merece mais do que simplesmente permitir a execução de um Plano Diretor que sofreu forte pressão das construtoras para permitir a verticalização e o aproveito máximo de cada área. Os arquitetos precisam fazer um mutirão – inclusive os que trabalham na prefeitura – e uma auto-crítica do Plano Diretor. Tem outro fator importante, que é a submissão cultural. O fenômeno nova-iorquino das torres altas chegou aqui na década de 1930. E agora estão repetindo, em algumas cidades, o maldito fenômeno de Dubai. É um problema até de afirmação sexual: cada um quer fazer um pênis maior. É um absurdo, estão mexendo até no Mar Vermelho. E arquitetos famosos estão entrando nesse jogo e se deslumbrando com a verticalização.

“Essa história de fazer uma preservação pela metade não serve para ninguém. O movimento Moinhos Vive não topa esse acordo”

Sul21 – Como vocês veem a possibilidade de um acordo? A Goldsztein vem acenando com a possibilidade de preservar três casas e realizar uma série de investimentos no bairro.
Alda – Tu consegues ver a preservação de um conjunto pela metade? Conjunto é conjunto. Essa história de fazer uma preservação pela metade não serve para ninguém. O movimento Moinhos Vive não topa esse acordo.
Carlos – Não sei se isso é balão de ensaio, mas não vai sair, tenho certeza absoluta. Eu, pelo menos, sou radicalmente contra.
Sul21 – Como vocês avaliam a atuação do Compahc nesta questão?
Alda – A tramitação deste assunto está suspensa por 30 dias no Compahc, a pedido do Ministéiro Público. É muito difícil a situação no conselho. A prefeitura tem oito cadeiras, E não sabemos o que os outros representantes pensam. A OAB está representada no Compahc e é contrária a preservação das casas. A Sociedade de Engenharia também. Mas existem laudos sobre esse assunto do IPHAN, do IPHAE e do EPAHC. Todos são favoráveis à conservação das casas e não estão sendo ouvidos.
Carlos – A prefeitura tem um órgão que é eminentemente técnico, que se chama EPAHC. É um órgão dedicado somente a preservação, composto de arquitetos, gente ligada à área. Esse órgão já nos disse, em documento, que as casas precisam ser tombadas. O Compahc tem que julgar a qualidade daquele espaço para a cidade. Será que é isso mesmo que irão julgar?

“O que está colocado agora é um jogo político. A prefeitura tem que saber o que quer”

Sul21 – Muitas vezes esses assuntos costumam ser tratados de forma eminentemente técnica. Mas até que ponto vocês não acham que essa preservação dependeria, também, de uma decisão política?
Alda – O que está colocado agora é um jogo político. A prefeitura tem que saber o que quer. O assunto está nas mãos do prefeito. Ele está subsidiado por três laudos técnicos dos órgãos de preservação do patrimônio.
Carlos – O prefeito tem uma dívida conosco nesta questão de preservação. Acho que é o momento de pagar essa dívida, caso contrário, ele vai ficar conhecido como o prefeito que, no mínimo, foi conivente com a demolição dos casarões da Luciana de Abreu. Sei que as pressões são muito grandes e a prefeitura tem muitos problemas para resolver, mas não podemos perder este patrimônio. Dou meu voto de confiança ao prefeito.
Sul21 – Como foi para a comunidade se apropriar de processos e termos que são bastante técnicos? Imagino que, no início do movimento, ninguém que não fosse arquiteto compreendesse muito a dinâmica de um Plano Diretor.
Alda – Tivemos que aprender o que significa área de interesse cultural, Plano Diretor… Todo mundo aprendeu. Para mim, foi horrível, porque, da maneira como esses assuntos são tratados, somente as construtoras participavam das votações e das decisões. O Plano Diretor não foi elaborado com a presença da comunidade. Durante sua alteração, tentamos participar, mas perdíamos em todas as votações, porque as construtoras levavam todo mundo para as reuniões. É uma situação em que nós, leigos nestas questões, temos que implorar para que a prefeitura preserve a cidade.









Nenhum comentário: