Tombamento: que bicho é esse?
Existe uma
polêmica bem atual acerca de um patrimônio cultural e afetivo de Porto
Alegre. Todos já ouviram algo sobre o
assunto, seja da parte de quem quer preservar, seja da parte de quem acredita
que o desenvolvimento passa, necessariamente, por megaconstruções. Muitos,
provavelmente, sequer se sentem atingidos por essa discussão, achando que tem
coisa mais importante para se preocupar. No que estão errados, pois, mesmo que
morem em outro extremo, a cidade é um organismo vivo, no qual seus bairros, tal
como sistemas orgânicos, se inter-relacionam. As casas da Rua Luciana de Abreu
trouxeram maior visibilidade ao assunto, que não é novo, mas que precisa
urgentemente de um sopro de modernidade.
Isso porque a questão da preservação dos bens culturais,
hoje, atende uma outra dinâmica.
Conceitos como bens culturais imateriais e valor afetivo foram
introduzidos nas políticas culturais do país. A perspectiva de conservação de
nossa memória ampliou-se, deixando para trás os ideais nacionalistas típicos
dos países em construção. Tempos em que
apenas edificações excepcionais, de incontestável valor arquitetônico e
histórico, tinham o direito de ser protegidos.
Os anos
passaram, os conceitos mudaram, as cidades cresceram, a cidadania começa a se
estabelecer. Atualmente, as pessoas não mais aceitam ser alijadas dos processos
de decisão sobre as coisas que lhes dizem respeito. A participação é obrigatória, antes mesmo de
ser um direito. Contudo, um instrumento fundamental de proteção permanece o
mesmo, desde – pasmem – 1937. É o ato administrativo denominado Tombamento,
nome, aliás, que causa muita confusão. O termo refere-se ao registro do bem que
se quer proteger em um dos quatro livros do Tombo existentes. Sua origem é do
Direito Português, sendo que o verbo tombar significa registrar, inventariar ou
inscrever bens nos arquivos dos nossos colonizadores. O livro onde eram
inscritos os bens permanecia guardado na Torre do Tombo, Castelo de São Jorge,
Lisboa.
Para muitos
proprietários de imóveis, falar em tombamento significa dizer que seu bem está
irremediavelmente perdido. Se é verdade que nele vão incidir restrições, há de
se dizer, no entanto, que muito se pode fazer. O bem pode ser alugado, vendido,
restaurado e, mais do que tudo, utilizado. Há procedimentos a serem observados,
se o proprietário quiser restaurar ou modificar seu uso. Além disso, existem
alguns incentivos fiscais para restauração, conservação e manutenção do bem,
como redução no Imposto de Renda ou no IPTU. Mas acredito que isso ainda é
muito pouco como incentivo por parte do poder público. E uma nova política
nesse sentido deve ser debatida com a sociedade e, sem demora, implementada.
Com isso é possível que discussões como essa que as Casas da Luciana trouxe
sejam minimizadas, aliando a preservação do bem ao proveito econômico justo,
transformando a cidade num espaço de convívio mais democrático e sem perder
elementos que lhe atribuem identidade.
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